Sacco, Vanzetti e suas agonias.

Em silêncio eles entraram um após o outro, na sala da morte. Caminhavam lentamente. “Viva a anarquia”, pronunciou Ferdinando Nicola Sacco antes de ser eletrocutado. Bartolomeu Vanzetti sentou-se mudo na cadeira e apenas conseguiu gaguejar um “adeus, mamãe”. Era 23 de Agosto de 1927 e o mundo assistia atônito a um dos maiores erros judiciais da história. Na cidade de Boston, nos Estados Unidos, onde ocorreu à execução, mais de 20 mil pessoas estavam concentradas numa manifestação contra a sentença. Em Paris, 12 mil entraram em choque com a polícia, assim como em Buenos Aires, Londres e Berlim. Em Montevidéu, uma manifestação ameaçou de morte o cônsul norte-americano. A Folha da Manhã noticiava uma greve geral de operários em São Paulo em solidariedade aos dois italianos anarquistas. A história deles começou sete anos antes, quando, após um duplo assassinato numa pequena cidade do Estado de Massachusetts, Sacco e Vanzetti foram presos como suspeitos. Ambos foram vitimas de um julgamento tendencioso, no qual prevaleceu sobre os fatos uma febre anticomunista que contaminou os Estados Unidos após a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, em 1917. “O processo judicial foi uma farsa, um ato politico-ideológico”. Tanto Nicola Sacco como Bartolomeo Vanzetti eram ligados ao movimento anarquista norte-americano, além de serem imigrantes italianos, num momento em que os Estados Unidos praticavam uma forte política contra a imigração. Em 1921, foi criada uma lei emergencial que reduzia o limite de imigração de 800 mil para 300 mil. Segundo o historiador Sean Purdy, “na ocasião, o mundo inteiro estava sob o grande impacto da Revolução Russa e os partidos de esquerda nos Estados Unidos eram constituídos de imigrantes europeus, alemães, poloneses, italianos. Havia um consistente movimento de esquerda norte-americano naquela época: o Partido Socialista chegou a receber 3 milhões de votos nas eleições de 1911”. O país mergulhado no medo contra as forças comunistas, anarquistas e socialistas – o red scare (temor vermelho). Sacco, um respeitado sapateiro, e Vanzetti, um modesto peixeiro, foram levados a um julgamento marcado por uma sucessão de arbitrariedades e erros. Para começar, nenhum dos dois conseguia se expressar fluentemente em inglês. Também pesou o fato de ambos terem se refugiado no México, anos antes, para não servir o Exército durante a guerra. Há suspeitas de que houve pressões sobre as testemunhas, ainda que não pudessem fazer plena identificação dos acusados. E o comportamento do juiz Webster Thayer foi considerado pela imprensa americana da época como “surpreendentemente imparcial”. Os sete anos em que os amigos passaram na prisão á espera da execução da sentença foram marcados por uma sucessão de idas e vindas judiciais, resultado das pressões da opinião publica internacional contra a decisão. “Em várias cidades do mundo, houve mobilização de operários e defensores dos direitos humanos. E não foram movimentos ligados apenas ao pensamento de esquerda”. Diz Purdy. No Brasil, o congresso chegou a aprovar apoio formal aos condenados, assim como a prefeitura da capital federal, o Rio de Janeiro, para satisfação do movimento operário. De nada adiantou. Nem mesmo a tentativa de suicídio de Sacco, que o levou ao hospital em 1923, e a greve de fome que empreendeu nos seus últimos momentos de vida. Poucas horas antes da execução, o sapateiro deu uma declaração sobre o longo processo de erros e desacertos a que foi submetido: “Estão determinados a nos matar, sem se importar com as evidências, com a lei, com a decência. Se nos concederem um adiamento essa noite, será para nos matar na semana que vem. Vamos terminar logo com isso. Esperei sete anos para morrer sabendo o tempo todo que eles queriam nos matar.” Vanzetti citou Santo Agostinho: “O sangue dos mártires é a semente da liberdade”. Após a morte dos dois imigrantes, transformados em símbolos da esquerda internacional, as repercussões continuaram. O caso, ao longo do tempo, deu margem a uma série de manifestações nas artes, na literatura e no Direito. Desde abordagens técnicas sobre o processo até expressões mais romanceadas. Em 1971, o diretor Giuliano Montaldo levou a história para o cinema. A exibição do filme Sacco e Vanzetti foi proibida no Brasil pela ditadura e a canção Here’s to you, interpretada por Joan Baez e incluída na trilha sonora composta por Ennio Morricone, tornou-se hino contra a repressão e a censura. Vale a pena assistir a esse filme, um clássico da História.

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