Ela já sabia que o amor não existia.



Ela já que o amor não existia. Por isso, tratou de inventá-lo.

Começou pelas pontas dos dedos. Pintou as unhas de laranja-desmaiado, da cor de amor quando quer nascer. Assim que secaram, levou-as para ele ver.
Durante a noite, desfilou as mãos cuidadosamente manchadas de tinta pelo corpo do moço. Pousou-as nas costas dele e mirou longamente o amor inventar-se ali nas pontas de seus dedos. O amor era cor de laranja.
Ela já sabia que o amor não existia. Por isso, tratou de inventá-lo.
Também comprou uma porção de vestidos. Já sabia que tudo que não existe vem embrulhado em vestidos rodados. Encantados. Feitos os de princesa. Traje a rigor para encontrar o lugar - nenhum, lá no reino perdido do beleléu, onde mora o amor, bem ao lado do latifúndio do infinito. De rodado-encantado, dançou no corpo dele. O amor era uma vez. E agora, era a vez de ser feliz para sempre.
Mas, ela já sabia que o amor não existia. Mesmo.
E as pontas dos dedos já não alcançavam a sua melhor invenção. Tentou o vermelho. Rosa Marrom. Laranja. Durante noites passou procurando o tom do amor. As mãos desfilando pelo corpo do moço sem rumo. Tateando sem encontrar. Cor de laranja? Rosa. Marrom. Laranja. Unha. Vermelho. Unha. E ela nunca mais voltou à manicure.
Mas, ela já sabia que o amor não existia. Mesmo.
Depois de tirar todos os vestidos rodados, um a um em cima do corpo dele, conheceu o desencanto. Desembrulhou-se. Rasgou as fantasias. Emborralhou-se. Já não cabia no lugar – nenhum e nem transbordava o infinito. Sabia que nunca ninguém jamais estivera por lá, nem divinamente embrulhado.
Ela jaó sabia que o amor não existia. Mesmo. E nem achava mais graça em inventá-lo.
(E quem quiser que invente outros).






Texto produzido pela jornalista pós- graduada em Historia da Arte Juliana Simonetti.



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